class="post-template-default single single-post postid-315182 single-format-standard _masterslider _ms_version_3.7.1 elementor-default elementor-kit-11209">

Céu e Inferno: A Geologia de Vênus

 

Introdução:

     Ao observarmos os céus, sem as interferências das luzes das grandes cidades, podemos notar que existe um firmamento de estrelas, com posições relativas fixas. Em contrapartida, vemos que, também, existem 7 astros, que se movimentam entre os pontos fixos, sendo eles o Sol, a Lua, Mercúrio, Marte, Júpiter, Saturno e Vênus.

     Ainda no século II, o cientista Cláudio Ptolemeu publicou sua obra Almagesto, propondo uma visão geocentrista para o movimento desses astros. A proposta só passou a ser contestada de maneira mais significativa com a publicação do livro “Da revolução de esferas celestes” por Nicolau Copérnico. Ele propôs uma visão heliocentrista para o sistema solar, que só passou a ter poder de previsão maior e ser amplamente aceita com as publicações das Leis de Kepler, as quais começaram a ser divulgadas em 1609.

     Nesse mesmo ano, um importante passo é dado: Galileu Galilei faz as primeiras observações dos planetas usando um telescópio. Ao apontar suas lentes para Vênus, pouco pôde ser visto. Em parte, isso era resultado de uma ferramenta de baixa qualidade; porém, mesmo com o passar dos anos e melhoria da nitidez das observações, só era possível observar nuvens.

     Com isso, várias especulações passaram a surgir. No início, imaginaram um mundo extremamente úmido e coberto por pântanos (e, quem sabe, até mesmo com vida). Apesar das especulações, como saber, de fato, as características de Vênus? Dúvidas como essa levaram Auguste Comte a, em 1835, errar grosseiramente ao prever que nunca saberíamos
sobre as composições químicas, estruturas mineralógicas e se existissem, formas de vida dos astros.

     Poucos anos depois, técnicas de espectroscopia astronômica passaram a permitir descobrirmos a composição química da atmosfera do planeta, composta em 96,5% por CO₂, explicando as observações de emissões de raios x, que indicavam uma altíssima temperatura na superfície; atualmente sabe-se que fica por volta de 470 °C. As altas temperaturas foram confirmadas por uma das sondas da série de missões soviéticas chamada Venera, que penetrou o planeta, deteriorando-se em pouco tempo devido à temperatura.

     As várias sondas enviadas, tanto pelos EUA, quando pela URSS, trouxeram grande parte do que sabemos hoje sobre o planeta, com a coleta de sucessivos dados — trazendo, inclusive, as poucas imagens que existem da superfície:

 

Imagem da superfície de Vênus feita pela sonda Venera13 em primeiro de março de 1982

 

Por que céu e inferno?

“Nosso mundo vizinho demonstra ser um lugar sombrio e
desagradável. Mas voltaremos a Vênus. Ele é fascinante por si
só. Muitos heróis das mitologias grega e nórdica, afinal,
empreenderam celebrados esforços para visitar o inferno. E há
muita coisa a ser aprendida sobre nosso planeta, um paraíso
quando o comparamos com o inferno.”

Cosmos – Carl Sagan

 

     Vênus possui um tamanho muito similar ao da Terra, com cerca de 90% da sua área, o que, junto da proximidade no espaço, torna possível comparações como a feita por Carl Sagan, em seu livro Cosmos, em que à Terra seria o céu (com condições muito favoráveis à vida), enquanto Vênus seria o inferno (sendo praticamente impossível a sobrevivência em sua superfície). Fica evidente a pertinência de tal colocação quando vemos as características de sua atmosfera: na superfície, seria necessário suportar uma pressão de cerca de 91 atm e uma temperatura, como já mencionado, de 470 °C; sem nada similar à nossa camada de ozônio para absorver as radiações solares, nem mesmo um campo eletromagnético, sendo muito fraco no planeta (para saber mais sobre os polos magnéticos da Terra, veja nosso texto “Pólos Magnéticos da Terra”).

     Já nas camadas superiores da atmosfera, encontram-se temperaturas e pressões menores, onde, por isso, poderiam abrigar-se formas diferentes de vida. Em contrapartida, essas altitudes possuem violentos ventos, além de uma constante chuva de ácido sulfúrico (o qual nunca chega à superfície, voltando para as faixas mais altas). Toda essa atividade em altitude é contrastada por uma atmosfera pacata na superfície. Isso ocorre, principalmente, devido à alta concentração de CO₂, que leva ao ar aquecer-se relativamente homogênea, gerando poucas correntes de convecção (além de poucas regiões de alta e baixa pressão).

 

Visão esquemática da atmosfera venusiana – Astronomical and Cosmochemical Aspects of the Life Origin Problem

 

 

Geologia de Vênus

     Pouco é conhecido sobre a sua geologia. Praticamente todas as informações que existem foram obtidas ou deduzidas das missões com sondas espaciais ainda na Guerra Fria, sendo a principal delas a missão Magellan, que conseguiu imagens de radar de quase todo o planeta. Consequentemente, pouquíssimo se sabe sobre suas características geofísicas, com a principal hipótese sendo que ele é composto por camadas, de maneira similar à Terra (com núcleo, manto e crosta) — o principal argumento a favor dessa visão é a similaridade de tamanho entre os dois mundos.

     Dentre as supostas camadas, a mais conhecida é a crosta. Dela, foram coletadas e analisadas amostras de 7 localidades diferentes (apesar de estarem, em sua totalidade, perto do equador). Todas eram compostas por alguma espécie de basalto, com 5 delas possuindo composição similar ao basalto toleítico (encontrado na Terra). Isso, associado às imagens de radar, permite dizer que cerca de 80% da superfície é formada por planos de vulcanismo basáltico.

     Logo, poderíamos esperar encontrar, também, muitos vulcões, os quais, de fato, foram achados (apesar de não ter sido observado, sem dúvidas, atividade em nenhum deles durante as missões), com 15 – 20% da superfície sendo formada por unidades vulcânicas relativamente novas — muito dessa porcentagem, claramente, sobrepondo-se com as regiões planas. Ademais, cerca de 20% do planeta possui formações que podem ser explicadas com o tectonismo; apesar de ele não parece mais estar ativo — uma das possíveis explicações para tal ausência é a alta temperatura da superfície, que deixaria a litosfera menos densa que as camadas inferiores, inibindo a subducção.

     A idade dessas formações encontradas ainda não foi medida por meios mais precisos, por exemplo, a datação radiométrica; sendo necessário adotar métodos indiretos. O principal usado é a medição do número de crateras (provenientes de impactos de meteoritos) em relação  à área da superfície, comparando a concentração com regiões mapeadas e de idade conhecida, como a Lua. Com isso, podemos inferir que existiu um evento de mudança global da superfície há 300-600 milhões de anos — provavelmente de curta duração (entre 10 e 100 milhões de anos).

 

A importância do estudo de Vênus

     O planeta vizinho possui um extremo efeito estufa, o que o tornou o planeta mais quente do nosso sistema solar; mas, possivelmente, nem sempre foi assim. É possível que o planeta não tenha sido tão quente quanto é hoje há alguns milhões de anos (evidência disso seria a presença de grandes eventos tectônicos no passado, os quais só seriam possíveis em uma atmosfera mais fria). Dessa maneira, saber mais sobre Vênus pode ajudar a entender melhor a origem desse possível aquecimento. Isso pode ser útil, em um contexto de aquecimento global, para podermos tentar garantir que o mesmo processo não ocorra na Terra.

     Além disso, grande parte da superfície dele é constituída por vulcões, podendo ser muito útil para a vulcanologia (saiba mais sobre a área em nosso texto “Vulcões: ciência, religião e política”) aqui na Terra. Por exemplo, ao ver o funcionamento das unidades vulcânicas sob outras variáveis — diferentes das encontradas em nosso planeta —, poder-se-ia entender melhor as atuações/relações de cada condição. Assim, seria possível entender melhor um fenômeno terrestre, por possuir características semelhantes a algum episódio encontrado em Vênus (o contrário também pode acontecer, veja nosso artigo sobre planetologia comparada).

     Poucas pessoas advogaram melhor pela exploração espacial que Carl Sagan — que escreveu sobre Vênus em seus livros Cosmos, no capítulo “Céu e Inferno”, e Pálido Ponto Azul, no capítulo “O solo se funde”. Nada mais justo que terminar com uma citação desse capítulo:

 

“Se estamos presos a um mundo, estamos limitados a um único caso;
não sabemos que alternativas são possíveis. Então – como um conhecedor de
arte familiarizado apenas com pinturas da tumba de Fayoum, como um dentista
que só sabe tratar de molares, como um filósofo que estudou apenas o
neoplatonismo, como um lingüista que somente conhece o chinês ou como um
físico cujo conhecimento da gravitação se limitasse à queda dos corpos sobre a
Terra – nossa perspectiva se encurta, nossas intuições ficam limitadas, nossas
capacidades de previsão restritas. Ao contrário, quando exploramos outros
mundos, o que antes parecia ser a única forma possível de um planeta revela-se
na faixa média de um vasto espectro de possibilidades. Ao olhar para esses
outros mundos, começamos a compreender o que acontece quando temos
excesso de uma coisa ou carência de outra. Aprendemos como um planeta pode
dar errado. Adquirimos uma nova compreensão, prevista pelo pioneiro do vôo
espacial Robert Goddard, chamada planetologia comparada.
A exploração de outros mundos abriu nossos olhos para o estudo dos
vulcões, dos terremotos e do clima. Pode vir a ter profundas implicações para a
biologia, porque toda a vida na Terra é constituída sobre um plano-mestre
bioquímico comum. A descoberta de um único organismo extraterrestre – até
mesmo de algo tão humilde quanto uma bactéria – revolucionaria a nossa
compreensão dos seres vivos. A conexão entre explorar outros mundos e
proteger o nosso fica, porém, mais evidente no estudo do clima da Terra e na
ameaça crescente que a nossa tecnologia representa para esse clima. Os outros
mundos propiciam intuições vitais sobre as tolices que não devem ser feitas na Terra.”

Pálido Ponto Azul – Carl Sagan

Autor: Níkolas Santos da Silva

Gostou do texto? Confira outros conteúdos em nosso blog e conheça nossos serviços! Entre em contato conosco por meio dos nossos e-mails minasjr@minasjr.com.br e comercialminasjr@gamil.com ou redes sociais facebook e instagram, e veja o que podemos fazer por você!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

 

Your browser is out of date. It has security vulnerabilities and may not display all features on this site and other sites.

Please update your browser using one of modern browsers (Google Chrome, Opera, Firefox, IE 10).

X